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Ação educativa salesiana no mundo digital é tema de entrevista do P. Gildásio Mendes ao Boletim Salesiano

A entrevista realizada pelo diretor do BS italiano, don Bruno Ferrero aborda temas sobre o mundo digital pela primeira vez no ambiente católico

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P. Gildásio Mendes - Conselheiro Geral para a Comunicação Social. Foto: ANS

BS – A multitarefa, o uso simultâneo de diferentes mídias, aumentou em média de 16 para 40%. Em resumo, estamos cada vez mais acostumados a usar todos os dispositivos ao mesmo tempo e a tal imersão digital. É possível dizer que a maneira como as crianças aprendem está mudando?

Para responder a esta questão, gostaria primeiro de destacar o termo “imersão digital”. Como se sabe, com o digital entramos no chamado mundo do ciberespaço e da infosfera. Ao entrarmos na Internet, neste imenso universo de redes, websites e milhares de ruas virtuais, nos deparamos com um universo sem limites, como se tivéssemos perdido o sentido da territorialidade.

Mas o que é a infosfera? É um universo formado pela totalidade de objetos e informações em suas diversas tipologias que interagem dinamicamente entre si. Nesse ambiente, é como se estivéssemos completamente imersos em um verdadeiro aquário.

Se antes eu conhecia meu país, minha cidade e meus vizinhos, agora viajo pelo mundo através do meu celular conectado à internet. No mundo digital, nos envolvemos em um nível cognitivo e emocional neste vasto universo de imagens e sons que permitem a interatividade, a participação e o envolvimento com pessoas e objetos. Veja as compras online, por exemplo. Fazer compras online é um teste de imersão. É praticamente viver uma experiência sensorial, onde tudo se consegue através de um simples clique, confirma.

Quando me conecto com meu smartphone, há uma interação humana com a máquina que nos permite entrar no virtual, que poderíamos chamar de mediação humana virtual. Isso envolve o uso de nossos sentidos, nossas percepções, nossa imaginação e nossas emoções. Através da mediação (eu e a máquina), temos acesso a um universo real que é codificado (digitalizado) e vivenciado à distância. A imersão digital impacta diretamente nossas vidas e nossas relações sociais e culturais.

BS – Então deveríamos dizer que a internet está mudando o nosso cérebro e o nosso ritmo de vida?

Como a Internet permite velocidade, instantaneidade e interatividade, o nosso cérebro entra obviamente numa nova dinâmica e passa a responder a esta aceleração cerebral, a uma maior ativação do sistema nervoso e consequentemente ao envolvimento dos cinco sentidos. Entramos assim no que podemos chamar de cérebro coletivo (ciberespaço), que é uma forma de processamento de sinais (símbolos, linguagens, sons) e estímulos.

Tudo isso é inconsciente. Na realidade estamos dentro de um universo com lógica numérica e matemática; um espaço virtual, uma psicosfera real. Simplificando, a psicosfera é o estado afetivo e cognitivo que vivenciamos quando nossa mente está alterada; elementos imateriais de informação que influenciam nossos pensamentos e sentimentos sem que tenhamos consciência de sua realidade.

BS – Ainda falando sobre multitarefa. Podemos dizer que a multitarefa contínua reduz a qualidade do trabalho, modifica a aprendizagem e cria indivíduos superficiais?

Neste ponto devemos nos concentrar em outra coisa importante. No mundo digital aprendemos a conviver com uma nova lógica em que refletir, pensar, meditar, como costumávamos fazer, agora é quase automático. Por que isso? Porque a lógica digital depende muito de estímulos, de reações neurológicas e de como nosso cérebro responde a essa lógica. Podemos dizer a esse respeito que todas as imagens, sons, palavras e interatividade que vivenciamos em uma rede social têm efeitos em nosso cérebro, impactando diretamente em nossas percepções, em nossa imaginação, em nossos comportamentos e, consequentemente em nossas escolhas, tanto de forma consciente quanto no nível inconsciente.

BS – Portanto, trata-se de compreender como funciona a lógica digital?

Certo! Na minha opinião, compreender essa lógica digital é importante para compreender o que acontece com o nosso comportamento no habitat digital. A aceleração do cérebro, a intensidade das emoções, a exposição da nossa vida emocional dentro das redes sociais, nos colocam num universo onde este novo mecanismo mental requer muitos estímulos, muitas reações e velocidade. Não estamos de forma alguma dizendo que o mundo digital e a lógica digital sejam maus hábitos. Fazemos parte do mundo digital e temos consciência dos benefícios que isso oferece à humanidade e ao desenvolvimento humano. É importante compreender como funciona a interação humana com o mundo digital e é justamente por isso que é importante uma educação em ética que nos ajude a viver de forma saudável e criativa.

Então, partindo da lógica digital, o que é multitarefa? Na multitarefa, o cérebro é treinado para fazer muitas coisas ao mesmo tempo, cognitiva e emocionalmente. O cérebro deve responder rapidamente à automação, aos estímulos. Então você vive, aprende e faz coisas diferentes com base no comportamento do seu cérebro. Alguns estudos indicam que a automação excessiva faz com que as pessoas percam a capacidade de criar, pensar e refletir profundamente. Da lógica digital nasce uma nova inteligência, como a conhecida inteligência artificial.

Neste ponto vale lembrar que a lógica digital, que se baseia na técnica e no automatismo, acompanha os estímulos que a neurociência tem desenvolvido, dando muito pouca importância à questão da consciência. Essa lógica altera, portanto, a forma de aprender, gerando superficialidade no pensamento e dificuldade em refletir de forma sistemática, integrada e coerente.

Por isso, o problema não é a multitarefa em si, mas educar as pessoas para entenderem como funciona a lógica digital, aprofundando valores e a importância da consciência nas escolhas e decisões. É através da consciência que se educam a liberdade, o respeito pelos outros, o sentido da sacralidade do corpo e o valor da sexualidade.

BS – Você concorda com esta afirmação: “Acredito que o efeito mais prejudicial do mundo digital é a dependência dos pais das mídias digitais, que acaba se tornando um vício para os filhos”? Quão importante é o exemplo que os adultos dão (perpetuamente com o nariz enfiado nos smartphones)?

Respondo a essas duas perguntas dizendo, em primeiro lugar, que somos todos cidadãos do mundo digital. Estamos todos imersos nesta realidade nos níveis físico, emocional e social. Vivemos neste habitat digital dia e noite. Conversamos com as pessoas ao telefone, gravamos e enviamos vídeos, fazemos compras, gerenciamos nossas contas bancárias, documentos, viagens, gerenciamos nossos projetos de trabalho, agendas de negócios, educação e entretenimento. Nesse sentido, vivemos numa realidade verdadeiramente digital. E não devemos absolutamente separar o mundo real do virtual.

Vivemos hoje em dois tempos que se cruzam e se complementam. Pais e filhos vivem e crescem na realidade digital, que é um mundo verdadeiramente novo.

Se vivemos num mundo digital, precisamos ter muito cuidado ao falar sobre o vício digital. Até agora não houve uma opinião comum entre os especialistas em novas tecnologias e as comunidades internacionais de psicologia e psiquiatria sobre a dependência psicológica da Internet. A própria Igreja não menciona tal dependência em nenhum dos seus documentos.

O tema da dependência no nível psicofísico é muito complexo e envolve muitos fatores. Vejamos um exemplo: um jovem que termina a universidade, procura emprego e não encontra. Na sua dimensão pessoal sente-se inútil e sofre psicologicamente com problemas de autoestima, afastamento dos amigos e dificuldade de construir a própria vida. Se este jovem passa o dia todo na Internet, isolando-se dos amigos, nos perguntamos: qual a principal causa do seu isolamento e uso excessivo das redes sociais? Neste caso, a falta de trabalho é definitivamente o fator causador do desequilíbrio emocional e social.

Evidentemente não estamos culpando o digital nem mesmo negando a responsabilidade pessoal de cada pessoa (capaz de fazer livremente a sua escolha). Devemos, portanto, analisar cuidadosamente cada caso para discutir e avaliar situações sobre como viver num ambiente digital saudável.

Por ser um tema tão novo para os pesquisadores, devemos sempre olhar para este tema na perspectiva da interdisciplinaridade, de como diversas ciências podem colaborar para a compreensão das diferentes manifestações da dependência. Dessa forma, evitamos usar o termo vício apenas para o digital. Em algumas situações particulares, o tema digital também pode ser utilizado como fator causal ou de correlação, mas devemos evitar generalizações.

BS – Como lidar com a questão da pornografia?

Gostaria de responder a esta pergunta fazendo três afirmações que podem nos ajudar a enfrentar esta situação de forma educativa, tendo em conta a psicodinâmica humana e o que a Igreja nos ensina.

Partindo da perspectiva digital, acredito que pais e educadores são chamados a abordar inicialmente a questão da pornografia do ponto de vista da lógica digital como a questão da aceleração psicológica e psicofísica que experimentamos no mundo digital. A partir desta visão, podemos nos colocar algumas questões: o que acontece no nível psicológico com um adolescente que se expõe ao mundo digital de forma contínua e intensa? O que acontece nos níveis físico e emocional com a consequente aceleração do seu cérebro, com os seus aspectos cognitivos e afetivos, na ansiedade, no medo, na insegurança e consequentemente com a sexualidade? Como esse adolescente, com pleno acesso a toda a lógica do mundo digital com tantas imagens e vídeos, gerencia seus sentimentos, emoções, desejos, hormônios e assim por diante?

Hoje vivemos o que se chama de hipersexualização, uma nova realidade no mundo digital. A hipersexualização se manifesta na hiperexposição do corpo, da performance, do poder e do sucesso que induzem adolescentes e jovens a experimentarem a sexualidade por meio de estímulos. Na lógica digital, como temos dito, os estímulos governam a imaginação e as ações. É, portanto, importante que pais e educadores conversem com adolescentes e jovens sobre como funciona a lógica digital no contexto das redes sociais e da Internet. Primeiro, compreender estas dinâmicas e aprofundar-se nos valores humanos e cristãos da sexualidade.

Um segundo tópico é o aspecto físico que se refere à ideologia que norteia o mundo digital, a internet e as redes sociais e o modelo de pessoa humana que se propõe neste universo. O simbolismo e os sinais usados ​​subliminarmente pela publicidade tornam as pessoas consumidores famintos. Há muita publicidade presente para adolescentes e jovens. São estratégias de consumo com produtos que levam seu uso ao ponto de serem praticamente “divinizados” e circunstâncias em que as pessoas vivem consumindo através de mensagens contínuas e intensas. Tudo isso chega imediatamente ao mundo digital, criando um círculo vicioso através de um desejo de consumo contínuo e incontrolável.

Esta dinâmica de aceleração de sentimentos, emoções e imaginação tende a tornar as pessoas indiferentes ao seu mundo de consciência crítica e reflexão.

BS – Você está dizendo, portanto, que o digital estimula as pessoas a entrarem num ciclo de consumo constante de sexo?

Estar alienado dos próprios sentimentos e vivenciar a insatisfação no consumo de bens de forma exagerada e acelerada afeta diretamente a sexualidade, levando a pessoa a transferir essa mesma dinâmica para o sexo. Estamos, portanto, falando da resposta da sexualidade aos estímulos, da aceleração do cérebro, dos desejos, da libido e da procura de um ambiente (digital) que ofereça estes produtos e um tipo de estilo de vida que permita e potencie esse consumo constante de sexo.

Ou seja: existe o risco de as pessoas procurarem sexo sem considerar todo o aspecto da sexualidade humana, que envolve sentimentos, amor, valores, consciência, responsabilidade para com os outros e fidelidade à pessoa.

Às vezes, esses estímulos são potencializados pelo uso de sons que amplificam os desejos e a libido. Outras vezes, o uso de determinadas substâncias químicas, psicotrópicas, drogas e álcool leva os jovens a vivenciarem situações extremas de perda de sentido, radicalismo consigo mesmo e com os outros, perdendo totalmente o controle emocional. Tudo isso se torna um atrativo para eles assistirem pornografia como forma de se libertarem.

É claro que a pornografia existia mesmo antes da digitalização e da Internet. Devemos também lembrar que o tema da pornografia também está ligado a questões educacionais, distúrbios psicológicos e realidades culturais; estas são questões complexas que merecem uma investigação mais aprofundada.

Seguindo as indicações da Igreja, é fundamental educar para a sexualidade madura a partir do amor doado, construindo um projeto de vida em que a sexualidade seja vivida na sua totalidade como um dom responsável.

A Igreja Católica, através do catecismo e dos ensinamentos sobre moral e sexualidade, apresenta uma antropologia e psicologia seguras de como viver a sexualidade e crescer de forma integral e madura como pessoa humana que ama e vive a sua sexualidade de forma saudável e responsável. “A sexualidade exerce influência em todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do seu corpo e da sua alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar e, de modo mais geral, à capacidade de estabelecer relações de comunhão com os outros” (2332).

BS – As crianças estão conscientes de que é mais importante que os pais (e educadores) passem tempo com elas do que acompanhar as redes sociais ou responder a e-mails?

Acredito que a responsabilidade de viver no mundo digital é responsabilidade dos pais e dos filhos. Todos somos chamados a nos educar para viver de forma saudável, mais humana e fraterna no universo digital. É, portanto, uma questão de diálogo, de escuta, de amor. Um adolescente que vive em uma família e sente o coração do amor terá uma referência emocional muito importante para crescer com senso ético no mundo digital.

Sabemos que embora os jovens tenham habilidade para navegar no mundo digital, ainda procuram a nossa amizade, a nossa escuta, o nosso apoio como companheiros de viagem e educadores. Devemos aprender com os jovens e caminhar ao lado deles.

BS – Você já teve experiências de cyberbullying ou conhece alguém que já teve?

Sim, tenho visto alguns casos de cyberbullying, especialmente entre estudantes do ensino médio. Este tópico está relacionado com o que eu disse anteriormente sobre as reações intensas e às vezes irracionais causadas por estímulos aumentados pela tecnologia digital. Mesmo neste caso, a pessoa é sempre responsável pelos seus atos. O cyberbullying muitas vezes depende da educação da pessoa, de problemas psicológicos, mas, nas mãos de uma pessoa, a tecnologia se torna um perigo que ameaça os outros.

Lembremos sempre que um dos graves problemas do mundo digital é o poder. O poder de seduzir, manipular, mentir, causar ódio e violência contra os outros. É por isso que a educação ética para a vida no mundo digital é uma questão de extrema urgência nas escolas e nas nossas famílias.

BS – Como poderíamos nós, como educadores, ter mais iniciativa e ser menos dependentes de videogames e programas de TV para manter as crianças ocupadas?

Considerando que vivemos num mundo digital e que a televisão, a internet e as redes sociais estão todas interligadas, não creio que limitar o uso dos meios de comunicação seja educativo. Impedi-los de jogar videogame e encontrar outra atividade para mantê-los ocupados pode produzir resultados mínimos. A questão não é limitar ou evitar, mas educar para o uso criativo, saudável, responsável e ético. Toda família deve pensar em como criar um estilo de vida saudável e equilibrado com seus filhos dentro do habitat digital.

BS – É concebível uma pastoral para os nativos digitais?

Sabemos que adolescentes e jovens vivenciam intensamente o digital. O seu mundo é uma rede de imagens, sons e interatividade. Eles são nativos de uma realidade em que o real e o virtual são um só e a imaginação fala uma linguagem multidimensional. Para eles, a Internet e as redes sociais são locais de estudo, pesquisa, promoção pessoal e profissional, amizades e entretenimento. Nesse universo também existem grandes desafios. O digital reflete o complexo cenário econômico, político e social, em que a pobreza, a violência, a guerra, a indiferença para com os outros, o individualismo, a injustiça, a falta de trabalho e a crise climática constituem uma ameaça ao presente e ao futuro.

Neste contexto, prefiro falar de habitantes digitais em vez de nativos digitais. É verdade que os nativos digitais crescem com uma mentalidade e um comportamento tipicamente novos, como o uso da linguagem digital, da lógica digital, de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo, de responder emocional e socialmente à velocidade e instantaneidade da Internet.

Mas quando falamos de pastoral, creio que o importante é partir daquilo que o Evangelho nos ensina: a escolha sincera e existencial da pessoa de Jesus Cristo e dos seus ensinamentos: o que a Igreja nos oferece para sermos irmãos e irmãs. Numa comunidade paroquial, por exemplo, as pessoas podem envolver-se no cuidado pastoral da Igreja, vinculando-as a um projeto partilhado, tanto em nível emocional como eficaz, elegendo-as como membros de uma comunidade.

Um segundo aspecto importante da evangelização digital é propor ações concretas aos adolescentes e jovens, para que possam praticar a vida cristã com base no que a Igreja ensina no campo da moralidade social, por exemplo: viver concretamente a caridade com os mais pobres, os doentes, os idosos, envolver-se em projetos para discutir e transformar as realidades injustas e contrárias à vida que encontramos por toda parte.

Por exemplo, quando um grupo de jovens se reúne para rezar, cantar, brincar e depois postar projetos sociais que realizam, por exemplo, em favor dos migrantes, dos refugiados, dos doentes, estão se evangelizando através do digital. Por isso nos comunicamos a partir da experiência e do testemunho. No mundo digital não bastam palavras, há necessidade urgente de ações concretas.

BS – Como considerar ainda as pessoas que fazem parte da chamada exclusão digital?

Como cristãos também é importante lembrar que quando falamos do mundo digital estamos testemunhando uma dura realidade: aproximadamente 3,8 bilhões de pessoas no mundo ainda não têm internet. A exclusão digital é uma triste realidade para muitas pessoas que não têm acesso à informação e à comunicação através da Internet. É uma questão de justiça social: o direito à comunicação é para todos os seres humanos.

À medida que o mundo se torna cada vez mais digital e virtual, todos temos a responsabilidade de explorar, com os nossos educadores, as diretrizes para o estabelecimento de uma relação saudável entre as pessoas e a tecnologia, com especial atenção ao cuidado com a criação, com a dignidade e com os direitos, com a ética da economia e política. O objetivo é salvaguardar a Casa Comum através da fraternidade, tal como propõe o Papa Francisco a partir da Encíclica “Laudato Si’”3 e do “Pacto Educativo Global”4.

BS – O senhor escreveu: «Como seres humanos, independentemente da nossa cultura, língua ou idade, estamos naturalmente inclinados a confiar em comunicadores que falam com o coração, que ligam as suas palavras e sentimentos de forma coerente, que estão realmente presentes, que não têm medo de desenvolver verdadeiras e relacionamentos verdadeiros (página 46)”. Como pode ser aplicado?

Com a Internet, as nossas relações tornaram-se uma verdadeira Torre de Babel. Sabemos que as redes são locais onde o trigo e o joio crescem juntos. Não podemos ter uma visão inocente do mundo digital. Além disso, no mundo digital temos todos os desafios da violência emocional e social, do incitamento ao discurso de ódio, da ideologia do consumismo desenfreado, de todo o tipo de ideologias. Portanto, para nos relacionarmos com o mundo digital, precisamos de alguns princípios claros.

Acho que o ponto de partida para ter bons relacionamentos através da internet e das redes sociais é comunicar-se com pessoas que se conhecem, que têm valores e projetos comuns, que têm ética e são comprometidas umas com as outras. Ou seja, primeiro a experiência concreta, vivida, comprovada com as pessoas que depois darão continuidade a essas relações através do digital.

Em alguns casos, o oposto também pode funcionar. Ou seja, começar um grupo com pessoas que você não conhece. No entanto, existe um risco para o anonimato, a segurança pessoal e a privacidade. É sempre arriscado quando uma pessoa entra em algum grupo e começa a falar de si mesma, de suas coisas particulares, sem saber como essa informação será utilizada.

BS – Você afirmou em um artigo que escreveu recentemente “que a arte é o coração da comunicação”. O que significa dizer isso?

Sim, é verdade. Lembramos que nosso pai e fundador, Dom Bosco, tocava piano, cantava e usava o teatro para educar de uma forma maravilhosa.

Uma forma de criar uma rede de comunicação entre os jovens, por exemplo, poderia ser através da arte. Acredito muito no poder inspirador e na capacidade da arte de unir as pessoas, de criar laços, de envolvê-las em projetos autênticos e reais.

A arte é o coração da comunicação humana. Quando falamos de arte, nos referimos à música, à dança, à literatura, ao teatro, à pintura e a inúmeras outras manifestações artísticas. Num certo sentido, todas as pessoas, independentemente da sua condição econômica, social, cultural, etc., vivenciam a realidade artística.

Todas as formas de arte são uma linguagem visual dos sentimentos e desejos de uma pessoa. A arte também permite que todos definam ou conquistem o seu espaço social e político dentro da comunidade humana. Através da diversidade das suas linguagens, a arte permite ao ser humano expressar as suas emoções, os seus valores, a sua fé e a sua visão do mundo.

Na minha opinião, aproximar os jovens para que aprendam alguns tipos de arte e esporte é uma forma criativa de educar para habitar o mundo digital.

BS – Como deveria ser uma escola salesiana no contexto digital?

A escola salesiana é um lugar privilegiado e especial para educar crianças e jovens, em qualquer realidade cultural do mundo. Em primeiro lugar estão os valores do sistema preventivo, o valor do amor, da amizade, do diálogo, da reflexão, da importância de Deus e da religiosidade, com os seus símbolos, os seus ritos e as suas experiências de oração, a liturgia, o canto e o serviço para outros. A educação salesiana dispõe de um ambiente educativo que permite o movimento, o esporte, a música, a dança, o contato amigável com os educadores, as experiências educativas e culturais.

A escola salesiana, a partir desta base humana cristã, pode e deve desenvolver a educação digital, refletindo com os jovens sobre como funcionam o mundo e a lógica digital. E neste universo entender como viver de forma equilibrada e livre como pessoa e como cristão no ciberespaço, na infosfera, cuidando de si na psicosfera.

BS – Você pode nos dar um exemplo sobre isso?

Certo! Por exemplo, um jovem que entende como funciona a lógica digital poderá buscar momentos para aprender um instrumento musical, dançar, praticar esportes, cozinhar, fazer atividades físicas, buscar momentos de contato com a natureza, conviver com as pessoas, olhar nos olhos. Por que? Porque ele sabe que o tempo da lógica digital não oferece tudo isso. Portanto, este jovem está aprendendo que o tempo natural deve ser vivido no seu ritmo, na sua gratuidade, na sua beleza. Isso não significa romper com a lógica do tempo digital, mas saber situar-se educacionalmente na infosfera e no ciberespaço.

Jovens que sabem se posicionar criticamente dentro do universo digital tornam-se mais criativos. Eles se tornarão mais livres para aprender, para refletir, para pensar de forma mais significativa e profunda, fazendo melhores escolhas para suas vidas, para sua saúde física e emocional, desenvolvendo assim sua espiritualidade para utilizar o mundo digital de forma criativa, saudável e empreendedora.

BS – Quais deveriam ser algumas boas práticas educacionais?

Educar para a responsabilidade e para o espírito crítico em relação ao digital. Sabemos que viver em condições digitais afeta a nossa forma de expressar ideias, de criar a nossa política de comunicação, de partilhar informação, de nos expressarmos, de ver o mundo e as realidades em que vivemos. Isto exige uma grande responsabilidade, para que possamos comunicar sempre sem dominar, relacionar-nos sem controlar as pessoas, expressar-nos sem a tentação do poder mundano.

Assim, nos encontraremos confrontados com desafios como o individualismo e o relativismo. Doenças que assumem traços de autorreferencialidade, indiferença, desrespeito à natureza, até as diversas formas de violência. Às vezes, mesmo inconscientemente, a comunicação digital empurra e leva a situações de conflito pessoal e de grupo, até formas de radicalismo. Isso pode nos levar a uma crise de identidade digital. Uma espécie de “mito da caverna” de Platão numa versão contemporânea. Em vez de ver na parede as sombras de uma vida acontecendo em outro lugar, o preso é obrigado não apenas a observar a si mesmo, mas também a ver os outros se mostrando nas redes sociais. Uma modalidade que pode nos transformar profundamente.

BS – Qual a importância, para a Família Salesiana, de compreender a metodologia digital para a evangelização dos jovens, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social?

A Congregação Salesiana, nas suas diversas áreas de atuação, pretende estar sempre em sintonia com os tempos. Uma atitude que ao longo dos anos nos levou a procurar continuamente o diálogo entre a fé e a ciência, o Evangelho e a cultura juvenil, o Sistema Preventivo e o mundo digital. Como educadores de jovens, certamente encontramos formas de responder à grande transição da comunicação para as tecnologias de informação, a Internet e as redes sociais.

Juntamente com leigos e educadores, queremos nos aproximar da realidade ouvindo as novas gerações, acompanhando os adolescentes nos seus mundos sociais, encontrando novas linguagens e novos métodos para educá-los sobre o amor, o sentido da vida e da responsabilidade, e a construção do seu projeto pessoal a partir dos valores do Evangelho e do Sistema Preventivo.

Através de inúmeras obras salesianas, especialmente na África e na América Latina e no Caribe, educamos jovens de diferentes classes, em particular os mais necessitados, para que se preparem no nível técnico e humano para o uso das novas tecnologias aplicadas à educação, às artes, ao trabalho, à promoção social e ao tempo livre.

BS – Que qualidades precisamos absolutamente “passar” para a geração do “touch”?

As tecnologias de informação transformaram a nossa forma de pensar e agir. Eles influenciaram todas as atividades humanas: a forma como estudamos, trabalhamos, viajamos, compramos, pesquisamos, ouvimos música… O digital está presente em quase tudo o que fazemos. Recentemente, observamos o impacto que a inteligência artificial teve, por exemplo, na medicina, na investigação científica, na criatividade e na economia.

Por um lado, as grandes conquistas tecnológicas contribuem para o desenvolvimento humano, social e cultural; por outro lado, questionam a pessoa. A nossa segurança e privacidade estão em risco e uma reflexão sobre a ética da inteligência artificial e a emergência da exclusão digital torna-se cada vez mais urgente. Além disso, o digital catapultou os seres humanos para uma nova dimensão temporal e espacial, caracterizada pela instantaneidade e interatividade. Esta dinâmica trouxe vários desafios, como a importância do diálogo em diferentes contextos sociais e culturais; cuidados de saúde psicossociais; ética no tratamento e transmissão de notícias, respeitando a pessoa e seus valores.

BS – Que “toque de recolher digital” deveríamos inventar?

Eu diria: responsabilidade pessoal e social! Espírito crítico profundo e atento ao digital! Sic et simpliciter: equilíbrio! Uma cidadania digital que permite a cada pessoa ser responsável pela implementação ao nível da comunidade, organização, grupos religiosos, grupos sociais e artísticos, cuidando da gestão política a nível micro e macro em cada nação. O digital faz parte do bem comum. Os cidadãos de todas as sociedades devem ter espaço, estruturas e legislação que lhes permitam participar nas políticas públicas, como a cooperação com atividades escolares, saúde, desporto e arte.

BS – Como podem “razão, religião e bondade” ser aplicadas à geração “touch”?

Em primeiro lugar, confie nos jovens! Eles são os verdadeiros protagonistas do digital.

Em segundo lugar, não devemos ter medo do digital, porque continua a ser uma grande oportunidade para educar e evangelizar, mas requer sempre reflexão e discernimento. A partir do Evangelho, é importante colocar a comunhão fraterna no centro de qualquer forma de comunicação, mantendo uma visão educativo-pastoral salesiana e uma ética que garanta o respeito pela pessoa humana e por toda a comunidade.

Terceiro, para termos uma relação saudável com o digital, devemos colocar os jovens no centro. A abordagem do Salesiano não pode, de fato, ser reduzida à sugestão banal e superficial que convida você a baixar aplicativos de redes sociais no seu smartphone ou a se tornar protagonista do Instagram ou do Twitter. Eduque sempre para a criatividade e a responsabilidade.

Em quarto lugar, é muito importante adotar a abordagem do acompanhamento dinâmico, que se traduz em “caminhar ao lado” de jovens que vivem grande parte da sua vida com os olhos fixos na tela dos seus smartphones. Mais necessário, como diria Dom Bosco, é saber que se é amado!

Sabemos que o mundo digital está destinado a crescer, tornar-se mais sofisticado e rápido, principalmente com a inteligência artificial. A tecnologia anda de mãos dadas com o progresso da humanidade, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da ciência, do conhecimento, das grandes descobertas, da sua imensa contribuição para a educação, a saúde, a democracia, a justiça e a paz.

Mas é responsabilidade de cada cidadão e cristão educar-se eticamente para ser verdadeiros protagonistas no uso da tecnologia para o bem-estar e a segurança dos seus filhos, da família, da comunidade e da sociedade em geral.

3 Carta Encíclica Laudato Sì do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum, São Pedro, 24 de maio de 2015.

4 Mensagem do Santo Padre Francisco para o lançamento do Pacto Educativo. Vaticano, 12 de setembro de 2019.