Uma convocação do tempo presente
A Igreja Católica na América Latina e no Caribe reuniu vozes diversas para compreender os caminhos da inteligência artificial. O documento “La Inteligencia Artificial: una mirada pastoral desde América Latina y el Caribe”, elaborado por especialistas convocados pelo CELAM, nasceu da necessidade de observar com atenção um “signo dos tempos” que inquieta e desafia. O grupo se reuniu pela primeira vez na Cidade do México, em agosto de 2024. Concluiu o trabalho em Bogotá, em março de 2025. As reuniões refletiram a busca por uma resposta que conjugasse fé e técnica, realidade e esperança. “Queremos dispor de uma mirada séria e objetiva, que nos permita ter opinião fundada, aberta a mudanças e cuidadosa da pessoa humana”, escreveu a presidência do CELAM.
O avanço que interroga
O texto percorre o surgimento e a evolução da inteligência artificial. Cita definições e histórias. Resgata a proposta feita em 1956 por cientistas que definiram IA como “uma máquina capaz de mostrar um comportamento que se qualificaria de inteligente se fosse um ser humano quem o produzisse”. A análise observa o crescimento acelerado de patentes, a predominância da indústria sobre a academia e o surgimento de novos modelos que processam linguagem, tomam decisões e aprendem padrões. “A IA está presente cotidianamente desde há décadas”, aponta o relatório.
A resposta da fé
O documento propõe uma escuta ao Magistério da Igreja. Toma os discursos do Papa Francisco como pontos de partida. Recorda que “o desenvolvimento tecnológico sempre tem uma dimensão ética” e que “a dignidade intrínseca de todo homem e mulher” deve ser o critério para avaliar tecnologias emergentes. A nota “Antiqua et Nova”, citada no texto, reforça que a inteligência artificial não é uma inteligência em si, mas “um de seus produtos”. O ser humano, por sua vez, guarda uma “vocação transcendental e imortal” que nenhuma máquina pode replicar.
A criação em continuidade
O documento considera que o ser humano participa do processo criador. “Deus continua criando”, afirma a teologia. A IA pode colaborar com essa criação, mas exige discernimento. O texto assinala: “vemos como a IA é uma realidade que pode ser utilizada para o progresso e a inclusão, assim como para a violência e a manipulação”. Cita ainda o crescimento dos crimes digitais e a necessidade de limites. Relembra que o Papa Francisco alertou: “condenaríamos a humanidade a um futuro sem esperança se quitássemos às pessoas a capacidade de decidir por si mesmas”.
Chamado à ação
A obra conclui com propostas para os bispos e comunidades eclesiais. Convoca a inculturar a IA na Igreja da América Latina e Caribe. Defende que se construa uma ética do algoritmo, chamada de “algorética”, que oriente o desenvolvimento tecnológico com base no bem comum e na justiça social. “Queremos oferecer critérios para abordá-la no marco da Igreja Latino-americana e Caribenha”, afirmam os autores. Propõem uma presença crítica e profética. Apontam a vocação do ser humano como cocriador. Propõem que a técnica se coloque a serviço da vida.
Atravessar a fronteira tecnológica
O CELAM convidou os membros do grupo de trabalho a continuar sua missão como articuladores de uma reflexão permanente. “Agradecemos profundamente sua disponibilidade e o convidamos a assumir essa tarefa, sabendo que será um grande serviço à Igreja”, escreveram os bispos. O documento permanece como subsídio. Carrega um chamado. O grupo deseja que sirva “particularmente aos quase dois mil bispos da América Latina e, em geral, a todo o Povo de Deus”. A inteligência artificial segue avançando. A Igreja observa, escuta, discerne e responde.
Veja abaixo a íntegra do documento: