A morte do Papa Francisco nos convida a revisitar as raízes salesianas do 266º Pontífice da Igreja Católica. Muitas dessas informações foram relatadas pelo próprio Jorge Mario Bergoglio, em cartas escritas entre 1986 e 1990 ao historiador salesiano P. Cayetano Bruno (1912-2003), encontradas no Arquivo Histórico Salesiano de Buenos Aires pelo historiador salesiano P. Alejandro León, e publicadas no livro “Papa Francisco e Dom Bosco” (2015).
Um vínculo familiar que remonta a Valdocco
Mario Giuseppe Francesco Bergoglio, pai de Jorge (futuro Papa Francisco), era natural do Piemonte, terra natal de Dom Bosco. Mario Giuseppe nasceu em Ásti e foi para Turim. Frequentou a Basílica de Maria Auxiliadora, construída por Dom Bosco, quando a Casa Geral dos Salesianos de Dom Bosco ainda estava (obviamente) em Valdocco. Devido a essa proximidade, e como prova disso, quando imigrou para a Argentina em 1929, levou consigo uma carta de recomendação dirigida aos Salesianos de Buenos Aires. Ao chegar à Argentina, hospedou-se com os Salesianos da Igreja ‘Mater Misericordiae’, destino histórico da Primeira Expedição Missionária Salesiana, em 1875.
Uma família formada pela amizade de um salesiano e consagrada no santuário de Maria Auxiliadora
Na Casa Salesiana Mater Misericordiae, José Francisco Bergoglio teve a oportunidade de conhecer Don Enrico Pozzoli, que se transformou em seu confessor. Mario Giuseppe Fr. Bergoglio foi apresentado aos irmãos Sivori por este último, e o jovem imigrante italiano se encantou por Regina Maria Sivori, com quem se casou em 12 de dezembro de 1935, na Basílica salesiana de Maria Auxiliadora-São Carlos, localizada no bairro de Almagro, em Buenos Aires. Tiveram cinco filhos, sendo Jorge Mario o mais velho.
Batizado por um padre salesiano numa Paróquia Salesiana
Um ano após o casamento, em 17 de dezembro de 1936, nasceu Jorge Mario Bergoglio. O próprio P. Pozzoli o batizou, em 25 de dezembro de 1936, no Batistério da Basílica de Maria Auxiliadora-São Carlos, em Almagro. Quem visita esse lugar hoje pode ver uma Placa indicando que foi ali, nesse espaço eminentemente salesiano, que começou a caminhada dentro da Igreja do Homem que entraria para a história como o «I Papa Latino-Americano».
Aluno salesiano do sexto ano
O P. Pozzoli – a quem o futuro Papa Francisco, em carta de 1990, se referiu como “pai espiritual da família” – cuidou para que Jorge Mario e Óscar Adrián, seu segundo irmão, ingressassem na Escola salesiana de Ramos Mejía, próxima a Buenos Aires, como internos. Ali, ele frequentou o sexto ano do ensino fundamental (Classe 6B). Sua presença na Casa Salesiana, ainda que só por um ano, foi crucial: sob a influência do trabalho dos filhos de Dom Bosco, surgiu sua vocação para o sacerdócio. Conforme relatado pelo próprio Papa Francisco: “Senti a vocação pela primeira vez em Ramos Mejía, no meu sexto ano escolar, e tratei disso com o famoso ‘caçador’ de vocações, P. Martínez SDB; mas depois comecei a cursar o Ensino Médio, e… ‘tchau’ (precisei mudar de escola)”.
O amadurecimento de sua vocação sacerdotal sob o calor salesiano
Em 1955, o P. Pozzoli conversou com os Pais de Jorge Mario, persuadindo-os a aceitar a vocação religiosa de seu filho mais velho. Jorge escolheu a Companhia de Jesus na antessala da Basílica salesiana de Almagro, em 1957, após uma pneumonia e uma cirurgia nos pulmões. O P. Pozzoli conseguiu permissão do inspetor salesiano para que Bergoglio – que estava se preparando para ingressar nos Jesuítas – passasse as férias com clérigos salesianos na casa de Tandil, e posteriormente se mudasse para o Noviciado jesuíta, conforme relatado pelo P. Alejandro León, em seu livro.
Uma devoção salesiana em favor dos Irmãos Coadjutores jesuítas: o Sr. Zatti
Em 1976, quando era Superior Provincial dos Jesuítas em seu país (1973-1979), ele observava com preocupação o declínio de vocações argentinas para Coadjutores Jesuítas. Achava que elas estavam em iminente extinção. Foi então que ele conheceu Artêmides Zatti, salesiano e coadjutor italiano que havia imigrado para a Argentina, como seu pai: e pediu uma solução para o Problema. Conforme relatado pelo próprio Bergoglio, em carta de 1986, o primeiro jovem coadjutor entrou em julho de 1977, seguido por novas vocações nos anos seguintes, a ponto de, no ano da Carta, ele poder escrever “desde que começamos as súplicas ao Sr. Zatti, 18 jovens coadjutores entraram e perseveraram”; além de outros cinco que haviam deixado, totalizando 23.
Anos depois, em 2002, o salesiano Sr. Artêmides Zatti foi beatificado e, em 2022, o próprio Bergoglio, como Papa Francisco, o canonizou.
Torcedor de um time de futebol fundado por um padre salesiano
Durante toda a sua vida, o Papa Francisco foi fã de um time de futebol – o «São Lourenço de Almagro» – fundado pelo P. Lourenço Massa, salesiano em 1908 no mesmo bairro onde a família de Bergoglio morava. Como Pontífice, ele recebeu outrossim os jogadores e a Equipe do São Lourenço, por ocasião da vitória na Copa Libertadores, em 2014. Mas acrescente-se, foram novamente recebidos em setembro de 2024 no Vaticano pelo Papa, o qual ‘também recebeu’ – com satisfação – a notícia de que o futuro Estádio do time levaria seu Nome.
Um Papa próximo da figura e da obra de Dom Bosco
Durante o seu mandato, o Papa Francisco demonstrou, em diversas ocasiões, sua admiração pela figura de São Dom Bosco, bem como sua proximidade com os Salesianos – como na visita à Basílica de Maria Auxiliadora em Turim, em 21 de junho de 2015, no dia do bicentenário do nascimento de Dom Bosco. Na ‘Jornada Mundial da Juventude de 2019’, citou Dom Bosco com grande afeto, mostrando-o como exemplo de alguém que foi capaz de enxergar com lucidez as necessidades dos jovens em sua própria realidade. E, em meio a muitos outros sinais e gestos, a nomeação a Cardeal, em 2023, do então Reitor-Mor, P. Ángel Fernández Artime, que – nos próximos dias – participará do histórico conclave que elegerá o Sucessor de Francisco.
David Franco Córdova,
Especialista em História Salesiana no Peru
*ANS
