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Espiritualidade Bororo e Ação dos Agentes nas aldeias são temas de encontro “pao bataru pemegareu tabouge”

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O quarto encontro dos agentes bororo de pastoral aconteceu de 8 a 11 de setembro na sede da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga. Participaram do encontro 26 pessoas, sendo 20 Bororo e 6 missionários entre religiosos e leigos. Todos manifestaram terem sentido a falta do grande e saudoso nosso bispo Dom Juventino Kestering, que tinha um carinho e dedicação muito grandes para com o povo Bororo.

O primeiro dia de trabalhos foi coordenado por Leonida Akiri Kurireudo, de Meruri. Começou com um canto bororo, cantado pelo assessor ancião Joaquim Burudui. Em seguida, o P. José Eder Ribeiro Lima, administrador diocesano, deu as boas-vindas a todos. “Que bom nos encontrar de novo depois da pandemia!”, afirmou o sacerdote. A Ir. Cristina, coordenadora das Irmãs Catequistas Franciscanas também animou a todos.

Depois da apresentação de todos os participantes, aconteceu a fala do José Mario Kugarubo que, entre vários assuntos destacou que: “Este encontro é para Boe-Bororo evangelizar Boe-Bororo… e que a nossa cultura bem vivida também leva a Deus.” Depois disso foi composta a mesa para expor alguns aspectos importantes da espiritualidade bororo com Joaquim Burudui, 84 anos, Emilia Abreu Aroe Ewabo, 70 anos, Maria Pedrosa Urugureudo, 59 anos, Ismael Atugoreu, 54 anos e Valdimira Koge, 61 anos.

Sobre a espiritualidade bororo em relação à natureza, às relações humanas e ao sobrenatural, à vida após da morte, foram apresentados diversos aspectos, mas todas estas coisas estão juntas, estão ligadas entre si, unidas. Segue um resumo da fala de José Mário:

Me sinto bem com a vida, com as plantas, com os bichos, com as pessoas. Aroe Eimejera, Deus, o Chefe das Almas, o Chefe dos Espíritos só fez coisas boas para a gente… A natureza é a nossa vida, não podemos viver sem ela. Temos que conhecê-la, valorizá-la… Deus nos deu tudo de graça, a natureza, a vida, a cultura, a tradição bororo, principalmente o funeral. O sentido da vida é este, levar para frente tudo o que é bom para viver feliz… A lua e as estrelas marcam o nosso tempo, o tempo das frutas do mato, da subida dos peixes, das caçadas… Eu criei meus dez filhos, nenhum morreu porque eu conheço os remédios do mato… Nós tiramos as coisas da natureza para os nossos rituais, para o funeral, elas se tornam Aroe, Espírito, como o Aroe Toro, o broto do babaçu, o Aroe Kaiwu, a palmeira acumã, o Aroe Mano, o caeté e outros mais… Eu sou parte da natureza, sou pessoa, não escolhi ser Boe mas eu sei o valor, a grandeza da vida bororo. Tenho fé nos Bororo, muito respeito com eles, muita esperança… O sentido da vida é viver, amando, compartilhando, acompanhando nossa cultura, nossa comunidade… A criança nasce, tem o Boe Iedodo, a festa do nome, é apresentada à comunidade, faz parte da comunidade com seu nome, seus enfeites, com kidoguro, nonogo, kiogagiri, os pais e os padrinhos acompanham o seu crescimento… Quem gosta da cultura procura aprender mas tem Bororo que não quer aprender, mas eu tenho espiritualidade, eu participo, eu vou, eu puxo o canto…  O rapaz depois é iniciado para participar dos rituais dos homens e a moçinha é ensinada pela mãe a acompanhar os rituais. Os homens nos rituais são Aroe, Espíritos, Almas e as mulheres são Aroe Etuje, mãe das Almas…  Mãe das almas é coisa séria, é sagrada, é espiritualidade, é respeito recíproco…  Bororo sabe, acredita que tem vida depois da morte, por isso a maioria dos seus rituais são para os finados. Temos também cantos de festa como o Boe Iedodo, Jure Paru, o Cibae Etawado, o Cuiada Paru… Funeral é muito importante para a cultura, a espiritualidade bororo. È um ato de amor para o finado… O funeral faz memória da vida bororo para o finado, é uma oferenda… O finado não fica sozinho, a gente faz o funeral para o acompanhar a passagem para a outra vida… Funeral é choro, é festa, é dança, é continuidade da vida… O Baito, o Baimanagejewu, a casa central é a casa das Almas… As Almas, todos os finados estão presentes na aldeia… acompanham e protegem a aldeia… No Poari, na cabaçinha, são duas pessoas, um vivo e um falecido que está ai… Quando tem funeral homem não encosta na mulher e mulher não encosta no homem… Antigamente o Bari, o Pagé e o Aroetawarare, o Xamã dos Espíritos falavam diretamente com os Espíritos da natureza e com as almas e afastavam o mal dos Bororo. Agora não temos mais. Mas os Bororo conhecem Jesus. O mal, o sofrimento vem da Espírito Ruim, o Bope… Os pais têm que ensinar os filhos a distinguir o bem do mal e agora que somos batizados pedir ajuda a Deus, a Page Maria Urugureudo, aquela que ilumina, e às Almas para vencer o mal… Eu sou Bororo e vou morrer Bororo… A onça, por quantas vezes atravessa o rio, nunca perde as manchas da sua pele.

O segundo dia de trabalho foi coordenado por José Mário Kugarubo. Os cantos populares traduzidos em bororo acompanharam todos os momentos do encontro. Na oração de abertura foi refletido o texto do Evangelho lido em bororo e em português Mt 5,13-16: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo.” Em seguida foi refletido o texto sobre o papel do Agente Bororo de Pastoral e o do 1º encontro de pastoral sobre o batismo destacando que este torna todo batizado “discípulo e missionário.” Depois foi resgatado o roteiro do ano litúrgico. Não há padres para celebrar as maiores festas litúrgicas em todas as aldeias onde há cristãos que pediram o batismo. Então seria bom o Agente Bororo de Pastoral conversar com a comunidade e encontrar um momento para celebrar juntos na língua bororo ou em português os grandes “mistérios” da nossa fé. Onde há anciões é bom refletir com eles e encontrar “o jeito de celebrar no jeito bororo.” Foram lembradas também as grandes devoções populares: finados, santos e com grande destaque dado pelos Bororo à devoção para com Nossa Senhora, especialmente no mês de maio, em quase todas as aldeias. Também foram analisados os subsídios contidos na pasta de todos os participantes.

Como conclusão foi retomada a proposta anterior que não foi levada a termo: formar um grupo em rede no whatsapp. Ficou para de conversar com a Luciene Bororo. Foi colocada uma questão bastante séria: dois terços dos participantes eram novatos, não estiveram nos outros encontros. Além disso, os dois párocos que atendem os Bororo, P. Arthur Moreira Brito, Tadarimana, e o P. Erivelton Almeida Postil, Teresa Cristina, não puderam participar por motivos de força maior. Ficou a pergunta: vamos continuar a fazer este encontro anual? As respostas foram unânimes: Sim, é bom continuar. A celebração de encerramento e envio foi coordenada pelos mesmos Agentes de Pastoral e foi muito bonita e participada. Isso ajudou a entender que mesmo se não há padre disponível é possível celebrar e rezar.

Colaborou M. Mario Bordignon. SDB. CIMI-MT.